domingo, 21 de abril de 2013

Procura-se


Sempre pensei como adulto, sempre sofri como adulto, mas agora, relendo alguns diários e textos antigos, vejo páginas e mais páginas contendo apenas pensamentos de criança. Que criança é essa que, aparentemente, eu fui e nunca conheci?
Fiquei tentando encontrar uma explicação para entender essa distância tão grande entre o que eu achava que sentia e o que eu sentia de verdade, ou o que eu deixava transparecer através de palavras coloridas com canetas hidrocor,cada letra de um tom diferente de rosa. E só consegui pensar em uma coisa: talvez a intensidade de algumas idéias e pensamentos seja tão grande (para mim e para qualquer um) que quem os têm em mente, acaba por sentir-se mais maduro e mais adulto apenas pelo fato de tê-los. Uma vez a pessoa sendo arrebatada por esses sentimentos tão assustadoramente desconhecidos e não conseguindo compreender a si mesma, ela acaba achando (como eu também acho) que aquilo só pode ser um sentimento, um sofrimento, um pensamento de adulto, já que nos acostumamos a relacionar a vida adulta com conceitos de sabedoria e maturidade e compreensão de certas lógicas e fatos que uma criança jamais teria a capacidade de entender. A incompreensão, portanto, nos leva a amplificar o sofrimento. Porém, quando tudo o que parece tão grande dentro da cabeça é transcrito para o papel, podemos perceber toda a imaturidade inoculada em lágrimas para a qual estávamos cegos. Lendo, você consegue avaliar as próprias palavras como se fossem de outra pessoa e, bem, as outras pessoas sempre parecem tão infantis e egocêntricas, não é mesmo? Sim, elas são, e você também é, e eu também sou. Mas é impossível perceber isso se não nos olharmos de fora e não nos abrirmos para a análise crítica e impiedosa de nós mesmos. Nós que, infelizmente, insistimos em sofrer como adultos por coisas de criança.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Carta para mim mesma

Um dia, e não deve demorar muito, vou notar fios brancos no meu cabelo. Pior: um dia, vou procurar se restaram alguns fios pretos no meu cabelo. Vou sentir algumas dores nas pernas, ou nas costas, ou a carga da vida será pesada para mim. E, se eu pudesse deixar um recado para essa mulher que eu serei então, eu pediria, talvez, para que ela fosse doce. Quando eu for velha, desejo manter a alegria. Ainda que a amargura me seja tentadora, que eu possa ver alguma beleza na vida. Que eu possa ver beleza em mim mesma, mesmo que meu rosto esteja amassado, os olhos um pouco apagados. Que eu me lembre de quanto achava ridículo as mulheres lotadas de botox e não caia na armadilha de esticar-me toda, para tentar ser aquilo que não preciso mais ser. Que eu me lembre desse tempo de hoje, e aceite essa outra forma de beleza, senão sem dores, com muita dignidade. Que eu tenha mãos firmes para passar um hidradante e, quiçá delineador. Que eu saiba o valor e o momento de um bom perfume, de um bom penteado, de uma roupa bem cortada. Que eu não caia na tentação de vestir-me como uma velha, ou – pior – que eu não caia no ridículo de usar roupas parecidas com as das minhas netas. Que eu não implique com a vida, com o tempo, com o meu companheiro. Aliás, se ele tornar-se irritante, diabético, surdo ou o que quer que seja, desejo lembrar-me das promessas antigas, do companheirismo de uma vida, das inúmeras vezes em que eu, jovem, fui irritante e surda, e ele esteve ao meu lado. Que eu possa relevar as frases repetidas, que eu tenha paciência para as pequenezas dele, e procure evitar as minhas. Que eu saiba rir da vida, de mim mesma, de nós dois. Mesmo que as piadas sejam péssimas; as gargalhadas não deveriam tornar-se tão raras quanto as caminhadas ou as corridas. Que eu possa ainda, fazer meu companheiro rir, mesmo que me dê uma preguiça danada. Que eu não cobre dos meus filhos, netos, amigos, mais do que eles me ofereçam. E que, em sendo oferecido pouco deles a mim, que isso não me amargure, mesmo que seja infinitamente injusto e cruel (e deve ser), que eu tenha aceitação e alegria. Que eu tenha assunto e conhecimento, que eu tenha prazeres e encantamentos, sabedoria e discernimento. Que eu me mantenha lendo bastante, para que eu possa achar assunto nos jornais, nas revistas, nos novos e nos velhos livros. Se não me restar amigos, ou amores, que o conhecimento me salve de uma rotina infinitamente chata e comprida. Que eu aprenda a apreciar flores, comida, música ou qualquer uma dessas coisas oferecidas em abundância pela vida, porque, assim, mesmo que me falte o resto, ainda terei o gosto ou o som do que me faz feliz.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Quintas-feiras


"Não sei o plural de quinta-feira", disse um dos médicos da clínica na qual eu estava sentada na sala de espera. "Alguém sabe o plural de quinta-feira?", perguntou aos outros médicos, que estavam correndo de um lado ao outro. Ninguém na clínica sabia o plural de quinta-feira."É quintas-feiras ou quinta-feiras?", todos se perguntavam, a dúvida estava instalada. "Quinta, quintas, quinta, quintas", todos médicos, todos profissionais, todos de camisa social e jaleco.
Eu sabia o plural de quinta-feira, mas eu não sou sequer formada, uso tênis todos os dias e não carrego nenhum conhecimento acadêmico.
Ninguém precisa saber todas as regras de plural para salvar vidas, alguém pode dizer. E não era essa mesma discussão que tínhamos no ensino médio? Quando vou precisar saber calcular o volume de uma pirâmide? Quando alguém vai me perguntar novamente sobre a guerra no Paquistão ou me pedir para recitar todos os tipos de vegetação? Os computadores, hoje em dia, corrigem automaticamente os erros de ortografia e, se não corrigirem também, a gente fala que é "regionalismo", "neologismo", "liberdade de expressão", "abreviação" ou simplesmente "senso de humor". É verdade, ninguém nunca vai te perguntar nada, se você então fizer como eu, e nunca se levantar da cadeira para dar sua opinião. Ninguém nunca nem vai saber que você está ali, e vão te perguntar menos ainda. Você pode cursar a escola, comprar seu diploma ou até mesmo pedir pro seu filho de cinco anos desenhar um diploma pra você. Tanto faz, você vira adulto de qualquer jeito, você vira adulto e continua sem precisar multiplicar frações ou saber a diferença entre objeto direto e indireto. Pode descartar quase tudo o que disseram que você precisava aprender e se especializar dentro de um pequeno assunto e só saber falar sobre aquilo. Quer dizer, na verdade, você deve fazer isto! O mercado te quer assim, bem do jeito que você é, obcecado somente pelo que é importante. Todos irão entender que se trata de mais de uma quinta-feira quando você falar "quintas-feiras" ou "quinta-feiras". Não importa e, mesmo que importasse, você agora é adulto, ninguém vai te reprovar por causa disso. E eu te asseguro que essa é uma daquelas coisas que você pode morrer sem saber, pode mesmo, mas pega mal quando você está na frente de um paciente.
Acabou que ficou "quinta-feiras" mesmo.