segunda-feira, 25 de março de 2013

Isso não é mais uma comédia romântica


O meu medo é que a gente deixe essa semana passar, que o mês inteiro passe, dois meses, um ano. Sabe lá quantos anos a gente vai deixar passar. O meu medo é que a gente mude. Quer dizer, é claro que vamos mudar, a questão não é essa. Minha preocupação é que é possível que deixemos esse tempo passar indefinidamente, até eu não mais saber da sua vida, até você também não saber nada da minha, até sermos pessoas diferentes, separadas por incontáveis mudanças, milhares de minutos de distância, que nos impedirão de, algum dia, voltarmos para as pessoas que fomos, ou que quisemos ser - ou que pensávamos querer ser.
Nós não vamos nos esbarrar por aí como acontece nos filmes. Eu não vou ter a oportunidade de ver a sua felicidade de relance, de tramar contra o seu novo romance, de perguntar se ainda existe uma chance. Isto não é uma comédia romântica, não temos direito à rimas e à saudades. O traçado urbano abaixo de nós foi desenhado com o intuito de impedir o nosso encontro. Nosso primeiro esbarrão foi uma falha do acaso. Os outros que seguiram foram pura teimosia.
A cidade foi construída pensando na nossa separação e, daqui a pouco, após uns tantos quadrados riscados do meu calendário, após eu perder a conta das tantas páginas e dias que se passaram, seremos aquelas pessoas as quais estamos tendendo a nos transformar. Com novos pensamentos, com ideias diferentes sobre o capitalismo, sobre as mudanças climáticas, sobre os personagens das nossas séries favoritas. Estaremos em universos diferentes, separados por treze ou dezesseis estações de metrô e caminhos que nunca se cruzam.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Quem me dera ser uma formiga


É muito difícil ser gente nesse mundo. Muito mais fácil seria ser abelha, ou lagartixa, formiga, morcego, sei lá. Difícil isso de ser obrigado a ter uma opinião sobre tudo. Insuportável essa coisa de ter emoções e ter que se preocupar com os sentimentos alheios o tempo inteiro. Sentimentos pra que? Sentimentos só atrapalham, só complicam, só fazem as pessoas se sentirem desconfortáveis e deslocadas. Se barata não fosse um bicho tão nojento, diria que ela sim é feliz, com sangue frio, sem maiores preocupações além de comer lixo e aterrorizar humanos. Mas não, é nojento demais, ninguém pode gostar de ser barata, nem a barata mais linda, rica e inteligente deve ser feliz sendo barata.
Muita gente que me conhece acha que eu não tenho sentimentos, pelo menos não como as pessoas ditas normais. Só porque eu costumo não pensar muito antes de falar as coisas, só porque eu choro por qualquer coisa banal, só porque eu não sei lidar com os sentimentos dos outros expostos na minha frente. Mas isso não é verdade, eu sinto o tempo todo. Tudo. E, na minha cabeça, por mais que não seja verdade, parece que sinto mais que todo mundo. Morro de inveja de quem não sente nada.
Esses dias parei pra olhar uma linha de formigas na parede da minha cozinha. Não é possível que elas andem tão despreocupadas assim quanto parecem na linha delas, sem ter vontade de dar uma marretada naquela formiga lenta da frente, ou sem talvez querer dizer pra formiga de trás que estão apaixonadas. Quer dizer, formiga deve se apaixonar né? Deveria pelo menos. Com certeza existem muito mais formigas do que seres humanos, o que torna incrivelmente injusto que, nós, que estamos em minoria, sejamos os únicos obrigados a nos apaixonar, a ter um coração, a ser inexplicavelmente estúpidos perto da pessoa que gostamos mesmo depois de todos os livros cheios de cultura que guardamos cuidadosamente na estante do quarto.
Tirando aquela confusão da história com a cigarra, e sem incluir o smilinguido na história (com formiga cristã a gente não brinca), as formigas só trabalham, são mecânicas, nascem com uma função e se dedicam a cumpri-la, até alguém pegar uma canetinha vermelha e pintar a cabeça delas pra que o pessoal do formigueiro não as reconheça mais, sem valores atrelados. Sem nada atrelado, pra dizer a verdade.
Bom, enfim, não dava pra perguntar pra nenhuma das formigas se alguma delas estava apaixonada no momento, então matei umas duas formigas pra ver o que acontecia. Deixei os cadáveres ali no meio de onde tinha que passar, antes, bem organizada linha de formigas, e elas ficaram LOUCAS. Sim, formigas loucas na parede da cozinha, não sabiam pra onde iam, paravam pra dar uma checada nas formigas mortas no caminho, andavam em círculos pela parede, passavam recados (que eu não conseguia entender) umas pras outras e, quando eu finalmente achei que elas iam se virar pra me explicar o que estava acontecendo, ou pra tirar satisfações pela minha crueldade gratuita, tudo ficou normal. Elas fizeram outra linha. Deixaram as amigas mortas ali do outro lado da parede e continuaram seguindo seu caminho. Vez ou outra uma formiga desavisada esbarrava nos destroços, saqueava a coitada que estava esmagada, roubava seus cartões de crédito, imagino eu, e voltava pra linha. Pois é, imagina se aquelas formigas que eu matei estivessem levando o leite das crianças, ou indo entregar a carta de amor pra formiga dos seus sonhos naquele exato momento. Imagina se estivessem. Pois não estavam. Formiga não fica de luto, não escreve poesia parnasiana, não compra anel de noivado, não se importa se a amiga formiga da vizinhança está doente. Formigas são espertas, comem seu coração cru, se você deixar um pouquinho de açúcar de confeiteiro em cima. Não têm essa babaquice de pensar. Pensar só traz problemas.
O que é muito estranho, pois formigas, apesar de não pensarem, existem. Sim, todos sabem que formigas existem, menos elas mesmas, eu acho. Meio que deve ser isso que o amigo Descartes quis dizer quando ele disse que "Penso, logo existo". Que ele sabe que ele existe. Daí ok, não vou entrar nessa discussão, porque eu não tenho nenhuma graduação em filosofia e não acho que ninguém esteja interessado nas minhas teorias existenciais.
Só acho que a gente paga um preço alto demais por pensar, por ser humano, por saber que existe. Morro de inveja das formigas. Pensar me cansa demais. E sentir me toma muito tempo.